terça-feira, 24 de julho de 2012

Atividade para o 3o ano


Vidas secas
Composto de uma sucessão de pequenos quadros que focalizam momentos diversos da vida de uma família de sertanejos (Fabiano, sinhá Vitória, dois filhos e a cachorra Baleia), Vidas secas surpreende pelo relato objetivo dessas vidas sem horizontes, sem grandes ambições e exploradas por outras pessoas.
Fugindo da seca, essa família de retirantes instala-se numa fazenda abandonada que encontrara pelo caminho. Com a volta das chuvas, o dono reaparece e Fabiano submete-se às suas ordens para poder ficar trabalhando como vaqueiro e assim sustentar os seus.
A incapacidade de usar bem a linguagem, de falar "palavras difíceis", isola Fabiano das outras pessoas. A exploração de seu trabalho aparece quando, por simples ignorância, na hora do ajuste de contas, é confundido e ludibriado nos saldos e lucros. Sente-se enganado, mas nada pode fazer: "Na palma das mãos as notas estavam úmidas de suor. Desejava saber o tamanho da extorsão. Da última vez que fizera contas com o amo o prejuízo parecia menor. Alarmou-se. Ouvira falar em juros e em prazos. Isto lhe dera uma impressão bastante penosa: sempre que os homens sabidos lhe diziam palavras difíceis, ele saía logrado." Fabiano assim vai associando à linguagem o mundo dos "homens sabidos", e passa a temer a ambos. As palavras lhe parecem dotadas de um poder mágico e admira os que conseguem pronunciá-las.
Quando volta o período das secas, a família abandona a fazenda e recomeça suas andanças, com Fabiano e sinhá Vitória de olhos no futuro e mantendo uma remota esperança de que as coisas talvez melhorem e seus filhos não precisem passar pelo que estão passando.

Texto para análise
O texto escolhido mostra alguns aspectos do comportamento de Fabiano diante do patrão e da autoridade.
Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou o gado, arrependeu-se, enfim deixou a transação meio apalavrada e foi consultar a mulher. Sinhá Vitória mandou os meninos para o barreiro, sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu no chão as sementes de várias espécies, realizou somas e diminuições. No dia seguinte Fabiano voltou à cidade, mas ao fechar o negócio notou que as operações de sinhá Vitória, como de costume, diferiam das do patrão. Reclamou e obteve a explicação habitual: a diferença era proveniente de juros.
Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim senhor, via-se perfeitamente que ele era bruto, mas a mulher tinha miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!
O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda.
Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem. Não era preciso barulho não. Se havia dito palavra à toa, pedia desculpa. Era bruto, não fora ensinado. Atrevimento não tinha, conhecia o seu lugar. Ia lá puxar questão com gente rica? Bruto, sim senhor, mas sabia respeitar os homens. Devia ser ignorância da mulher, provavelmente devia ser ignorância da mulher. Até estranhara as contas dela. Enfim, como não sabia ler (um bruto, sim senhor), acreditara na sua velha. Mas pedia desculpa e jurava não cair noutra.
O amo abrandou, e Fabiano saiu de costas, o chapéu varrendo o tijolo. Na porta, virando-se, enganchou as rosetas das esporas, afastou-se tropeçando, os sapatões de couro cru batendo no chão como cascos.
Foi até a esquina, parou, tomou fôlego. Não deviam tratá-lo assim. Dirigiu-se ao quadro lentamente. Diante da bodega de seu Inácio virou o rosto e fez uma curva larga. Depois que acontecera aquela miséria, temia passar ali. Sentou-se numa calçada, tirou do bolso o dinheiro, examinou-o, procurando adivinhar quanto lhe tinham furtado. Não podia dizer em voz alta que aquilo era um furto, mas era. Tomavam-lhe o gado quase de graça e ainda inventavam juro. Que juro! O que havia era safadeza.
— Ladroeira.
Nem lhe permitiam queixas. Porque reclamara, achara a coisa uma exorbitância, o branco se levantara furioso, com quatro pedras na mão. Para que tanto espalhafato?
— Hum! hum!
Recordou-se do que lhe sucedera anos atrás, antes da seca, longe. Num dia de apuro recorrera ao porco magro que não queria engordar no chiqueiro e estava reservado às despesas do Natal: matara-o antes de tempo e fora vendê-lo na cidade. Mas o cobrador da prefeitura chegara com o recibo e atrapalhara-o. Fabiano fingira-se desentendido: não compreendia nada, era bruto. Como o outro lhe explicasse que, para vender o porco, devia pagar imposto, tentara convencê-lo de que ali não havia porco, havia quartos de porco, pedaços de carne. O agente se aborrecera, insultara-o, e Fabiano se encolhera. Bem, bem. Deus o livrasse de história com o governo. Julgava que podia dispor dos seus troços. Não entendia de imposto.
— Um bruto, está percebendo?
Supunha que o cevado era dele. Agora se a prefeitura tinha uma parte, estava acabado. Pois ia voltar para casa e comer a carne. Podia comer a carne? Podia ou não podia? O funcionário batera o pé agastado e Fabiano se desculpara, o chapéu de couro na mão, o espinhaço curvo.
— Quem foi que disse que eu queria brigar? O melhor é a gente acabar com isso. Despedira-se, metera a carne no saco e fora vendê-la noutra rua, escondido. Mas,
atracado pelo cobrador, gemera no imposto e na multa. Daquele dia em diante não criaria mais porcos. Era perigoso criá-los.
(Vidas secas. 21. ed. São Paulo, Martins, 1968. p. 118-20.)
Questões
1. Destaque a passagem em que se percebe que não é a primeira vez que Fabiano é enganado.
2. Qual o modo usado pelo patrão para oprimi-lo e fazê-lo aceitar o que ele paga?
3. Quanto ao relacionamento entre Fabiano e o patrão, o que se deduz desta passagem: "Fabiano saiu de costas, o chapéu varrendo o tijolo"?
4 O episódio com o cobrador da prefeitura mostra um outro tipo de opressão exercida sobre Fabiano. De que se trata?
5. O que há em comum no comportamento de Fabiano diante do patrão e diante do cobrador?
6. Com relação ao modo como Fabiano encara a autoridade e a lei, o que nos indica o episódio do cobrador da prefeitura?